sobre a morte, partilham comigo constantemente medos, ansiedades brutais, capazes de paralisar qualquer um. já eu, sinto-me só, porque nunca me revi nesse medo. não da mesma maneira. eu não tenho medo de morrer, deixando de viver tudo aquilo que tenho pela frente. se morro é porque não tenho nada à minha frente e todos os dias abraço essa ideia quando pego num cigarro e encho os meus pulmões de fumo. o meu medo de morrer passa pelo meu ego. passa por aquilo que penso que as pessoas necessitam de mim. eu sei que não deixa de ser uma ilusão, tal como o meu corpo irá desaparecer, também a necessidade delas de mim irá desaparecer. esta necessidade que surgiu por mero acaso.
tenho medo da vida. tenho medo de mim. tenho medo do que a vida me traz e daquilo que eu me sujeito e me permito passar.
quem é que com a mente sã estará disposto a fingir aquilo que não sente? quem é que acha que simular o desapego pode trazer algo de bom? eu. estranhamente agrada-me a ideia de conhecer as pessoas no seu estado mais cru e natural. deixo-os ser para meu próprio beneficio em questões de análise, em questões de observadora dos arredores.
serve o corpo como plataforma de interacção com o mundo em redor. permite-me isto concluir que não é meu objectivo primário a interacção. gosto pouco de reagir com o exterior. o interior é sempre tão mais rico.
desapego, de volta ao desapego. fingir o desapego é tarefa ingrata, dolorosa. é fingir desligar o processador quando está a fazer curto-circuito. é não gritar quando nos estão a abrir as feridas ainda não cicatrizadas. é ver um carro na nossa direcção e ficar de bom-grado à frente dele até à colisão. mas, então, não dói? ora, claro que sim. simplesmente há uma capacidade de a atenuar, de a arrumar e deixa-la estoirar num só momento. é como pegar na agenda e escolher qual o horário que dá mais jeito para sofrer tudo de uma vez. daí que eu nunca serei capaz de partilhar uma cama indefinidamente. poucas são as vezes que estou a fim de partilhar tal sofrimento. não quero que ninguém saiba quantas vezes desejo não acordar.
agora vou sair de mim. sou, neste momento, o outro lado do acção. sou a pessoa que se sente desapegada. sinto-me livre, sem amarras. sabe bem, mas só até certo ponto. e questiono-te: "será que gostas de mim? se gostas de mim serias capaz de o mostrar e evitavas todo este desprezo. de certeza que te sou indiferente, que não precisas de mim. vou então usar da minha liberdade, já que me deixaste aqui, só. como é que consegues ser assim? viver tão dentro de ti? deixar que nada fora de ti te afecte? és desumana, metes-me nojo e, ao mesmo tempo, invejo-te tanto. o que será viver, assim, dentro de ti?"
estou de volta e percorro todas as conversas que nunca se irão propagar por entre as partículas. nunca serei capaz de explicar a ninguém a minha perspectiva gostar de alguém, visto que esta implica o desapego e a ausência de ciúme (a olhos vistos). vivo numa forma mutante de amor. e sofro verdadeiramente com isso. sofro por mim e comigo. cada olhar é um grito desesperado, cada silêncio, uma lamentação.
decidi de acreditar numa vida inteiramente partilhada, quando conclui que as experiências partilhadas nunca significam o mesmo para os intervenientes. de nada me vale explicar-te o meu ponto de vista, estou demasiado envolvida no meu ego e tu és incapaz de largar o teu por um segundo.
ah, como eu gosto da ambiguidade de um silêncio. como eu gosto de sentir que estás a tentar decifrar o meu pensamento e que nem sequer estás no mesmo continente que eu. e sofro eu, sofres tu. sofremos por nós. e a ti apetece-te mandar-me para o caralho de uma vez por todas, quando eu quero continuar a sofrer. mas eu não quero puxar-te para baixo, não te quero levar ao ponto de não retorno e é por isso que antes de isso acontecer vou desaparecer da tua vida. e tu vais-me culpar por tudo e eu vou estoicamente segurar-me, como animal de sangue frio que inventei um dia ser.
ainda achas que amar-te não está nos meus pensamentos? talvez. se calhar gosto demasiado isto. amo demasiado a miséria dos meus pensamentos, das relações humanas, para poder amar verdadeiramente.
já percebes porque é que eu não tenho aquele medo de morrer? porque, até ao dia da minha morte, irei, sempre que possa, puxar para o meu lado todo o sofrimento que conseguir e fazer dele a minha história, a minha experiência de vida. é esta a minha rede. o jogo doentio que eu criei dentro de mim. é assim que vivo a realidade interior, a exterior vou-lhe dando uns toques.
claro que há dias que em que me culpo por me culpar. mas eu estou no controlo, sou eu que faço a filtragem daquilo que me afecta, daquilo que deixo que saibam que me afecta. mas eu vou ser sempre incapaz de te culpar por me fazeres sofrer, porque a culpa última será sempre minha. é por isto que eu te garanto que nunca odiei ninguém que tenha amado.
eu sou completamente viciada nisto. os tremores, os suores, os batimentos e a respiração irregulares. ah, que tesão que me dão. sentir o corpo a iniciar o processo de colapso. que animal que sou. sentir a besta, o meu ser primitivo a arranhar-me as entranhas. todas as necessidades são impostas por nós mesmos e, no final, esta é a necessidade a que obedeço a preto e branco. consigo fazer todas as necessidades desaparecer, mas esta talvez não. deixei que ela tomasse conta de mim, que me dominasse, que passasse a ser indissociável daquilo que vou definindo como eu.
eu uso e abuso do exterior sem que tenham conhecimento disso, ao mesmo tempo que deixo que despedacem tudo aquilo que prezo dentro e fora de mim. mas como tenho dito, é tudo uma troca de prendas.
preocupo-me demasiado pelo indefinido. não duvides sequer que me preocupo. tu, tu e tu. há dez anos, há três anos, o sempre. é como se fosse uma constante e ao mesmo tempo uma sequência de eventos completamente desgovernados. vejo em ti, ele e ela, vejo-te a ti neles. porque eu estive ou estou em todos, na minha cabeça, mas estive.
e isto é tudo o que tenho e, ao mesmo tempo, é o nada, o vazio que me faz querer analisar, desfragmentar tudo. layers and more layers. e isto é tudo o que sinto ser agora e daqui a pouco deixará de existir.
eu raramente fujo. só me lembro de fugir, nas alturas em que esta brincadeira afecta terceiros que não o merecem. de resto, come and get me, talvez não conheças ninguém que goste tanto de chafurdar na merda.
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