5 de setembro de 2020



há uns dias fui à feira do livro em lisboa. havia fila, esbocei um sorriso na certeza de ser uma fila certa, mas sei que fui parar ao sítio errado. fazia muito calor; na minha cabeça previsões de trovoada.

há meses em que as palavras me são difíceis. há momentos em que penso que para além de livros gosto de ler pessoas, mas a linguagem por vezes é desconexa ou chega sob uma forma que me é desconhecida.

deambulei por entre bancadas e editoras, entre capas e contra capas, tinta marcada em folhas de papel, entre rostos turvos e andares tristes, histórias passadas, poesia a ser criada. e as nuvens chegaram, trazendo consigo a escuridão, um temporal de ansiedade e incertezas.

reencontrei-me com Al Berto, o meu anjo mudo. faz muito tempo que não leio, mas trago-o sempre comigo. um tempo mais tarde encontrei-te a ti. palavra a palavra acendíamos cigarros, assim como as labaredas do nosso pequeno horto de incêndio e o dia amanheceu entre os nossos olhos.

é de volta a lisboa que me agarro à poesia e por entre notas de um diário relembro:
“mas gosto da noite e do sorriso das cinzas, gosto do deserto e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.”

e penso em como, neste exacto momento jazes a meu lado, aproximo-me lentamente do teu corpo estremecido e leio ao teu ouvido.
“os poemas adormeceram no desassossego da idade. fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas... e nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma toda esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias.”

no momento seguinte seguras a analógica nas tuas mãos, estás capaz de preencher todas as ruas vazias. é através de um azul esverdeado e profundo que pintas uma foto, a tua foto, a tua percepção do agora. quem sabe a fotografia de uma vida. e eu só penso no momento de as revelares - a foto e as mais de mil palavras que só uma imagem nos traz.

entre metáforas, factos ou alucinações, sem ordem concreta e repleta de pensamentos duvidosos, vivo e sonho numa êxtase tão crescente quanto decadente e sorrio - até já.

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