23 de novembro de 2020



naquele dia de um calor tenebroso, no portinho da arrábida, a água estava gelada. e eu olhei-te como nunca antes te tinha olhado.
como um pequeno peixe que há muito se encontrava fora de água, longe de casa. a liberdade estava na ponta dos teus dedos, no ondular do teu cabelo em sintonia com o marejar.

as palavras, por sua vez, discordavam dos teus olhos sem fundo. o som produzido pelas tuas cordas, chegava ao meu labirinto com um tão curto significado que me faziam desconfiar da minha própria vista.

hoje não está calor, mas a água continua fria e eu volto a caminhar sobre estas pequenas pedras, que fazem as vezes da areia fina, enquanto desenterro as memórias que aqui deixámos sem promessa de regresso.

mas eu não sei esquecer e regresso sempre a todas as minhas moradas, mesmo que sozinha. talvez a vida seja isso mesmo, uma sequência de castelos construídos aos quais mais tarde se seguem apenas pequenas pedras de nada, este vazio.

é nele que retomo a minha procura. a cada mergulho, ouso regressar a saber um pouco mais. cada respiração, uma promessa do presente que se sucede. e o futuro, bem, esse é o nosso x. a incógnita de todas aquelas equações que tentamos desvendar.

que ele nos traga tudo, menos o conforto, esse não o quero, pois só as tempestades algum dia nos levaram e levarão a qualquer lado. e mesmo que não seja o último destino, tenho em mim que ele estará cada vez mais perto.

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